sábado, 1 de março de 2014

Uma carta de Carlota Joaquina

Dias atrás recebi este belo texto de minha amiga, colega de faculdade e profissão profª Carla C. Spies Stallbaum, onde aborda com muito humor um pouco da história do Primeiro Reinado no Brasil. É uma carta em que Carlota Joaquina, esposa de D. João VI fala sobre sua passagem pelo Brasil e alguns acontecimentos durante o Reinado de D. Pedro I. 
É super bacana, vale a pena conferir!!!
Obrigada Carla pela sua contribuição!  Sempre que quiseres e puderes mandar algo, o espaço está a tua disposição.



Lisboa, 30 de março de 2009.
                        Caro tetraneto,

            Aqui quem escreve é tua antepassada, Carlota Joaquina. Como deves saber fui esposa de João VI, sabe, aquele bobalhão que levou-me, juntamente com a corte, em 1808, a morar no Brasil. Não sei como podes gostar desse paísinho chinfrim, terra maldita e cheia de macacos, do qual todos sabem que não eu quis levar nem o pó. Não sabes a trabalheira que tive para convencer o João Bobão VI, a ir embora daí, ao que parece ele gostou da comida, e ainda teve a cara de pau de me dizer que ele gostava do Brasil por que foi ai que ele virou Rei de Portugal, Brasil e Algarves em 1816. Ele também argumentou que em Portugal seria sempre um Infante.
            Ficou no Brasil meu orgulho, meu filho Pedro. Sabes por que ele era meu orgulho? Por gostar tanto de mulher quanto eu gosto de homem. Casou-se por obrigação com  Leopoldina, que era renga como eu. O povo brasileiro gostou dela, mas eu lhe digo que ela tinha atitude, era muito inteligente, mas não soube por freio no marido (Graças a Deus!), então ele foi divertir-se como eu gostaria, dormindo com muitas mulheres. Achei bem feito o que ele fez para a Domitila, ela já estava sonhando em ser Imperatriz do Brasil, e sequer tinha sangue nobre. Aprovou-me Amélia, muito bonita e principalmente, era nobre e francesa. Terra de gente muito culta e belos e calientes hombres.
            Quando Pedrinho ficou no Brasil como regente o bobalhão do meu marido disse a ele a seguinte frase: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum desses aventureiros”. Posso dizer que, na minha opinião, esse foi o auge da inteligência de João. Ele percebeu que o Brasil ia querer se separar, e que jamais voltaria a ser colônia.
             A partir daí meu filho mostrou o quanto o bom sangue espanhol que herdou de mim o dominava. Teve muitas atitudes de hombre, veja, por exemplo, o dia 9 de janeiro de 1822, quando as Cortes quiseram impor sua volta a Portugal, ele tomou a decisão de ficar aqui. Não gosto do país, mas gostei da atitude, ele demonstrou não ter herdado nada do pai. Depois disso nada no Brasil poderia ser feito sem receber o “cumpre-se” de Pedro.
             A gota d’água para a Independência foi a chegada da ordem para o retorno de Pedro a Portugal. Ele estava no meio de um desarranjo intestinal, lá nas margens do Ypiranga, quando chegou uma carta de José Bonifácio, lhe aconselhando que proclamasse a Independência. Foi o que fez meu querido e amado filho. Não posso descrever o orgulho que senti a receber a carta em que se contava sobre a Independência.
O Bobalhão do meu marido não ficou muito satisfeito, mas como já não tinha mais volta, teve de aceitar, mas por influencia inglesa, exigiu um pagamento para reconhecer a separação. Na minha opinião exigiu muito pouco, mas ele não quis sobrecarregar demais a vida financeira do país que nosso filho governaria.
Eu entendi logo essa independência, pois foi “organizada” pela elite do Brasil, para o povão não mudou nada. A única diferença é que as ordens iriam partir do Rio de Janeiro, e não mais de Lisboa. Mas quem continuaria no poder seria um português. O povinho brasileiro é muito bobo mesmo. Não percebeu que nada mudaria. Claro que teve locais que se rebelaram, mas os mercenários contratados por meu filho foram eficientíssimos e venceram todas as resistências.
Em 1824, Pedro mostrou mais uma vez o quanto o meu sangue espanhol falava mais alto em suas veias, outorgou uma constituição para o Brasil, do jeitinho que ele queria, dando a si mesmo poderes absolutos sobre a nação.
Uma pena que aconteceu toda essa confusão com meu outro filho, Miguel, que resolveu que não ia se casar com Maria da Glória. Pedro havia abdicado do trono Português para ela. Então em 1831, abdicou o trono brasileiro em favor de meu netinho de 4 anos, Pedro de Alcântara, depois se mandou para Portugal tentar reconquistar o trono para Mariazinha. A guerra no entanto foi demais para meu filhinho, ele faleceu de tuberculose em 24 de setembro de 1834, no mesmo quarto em que nasceu de mim, um quarto decorado com cenas do clássico espanhol de Cervantes, Dom Quixote.
Todos os meus antepassados e descendentes devem se sentir muito orgulhosos de Pedro, pois ele foi o único, que eu já ouvi falar, que renunciou a duas coroas, a portuguesa em favor de Maria da Gloria, e a brasileira em favor de Pedro de Alcântara. Meu filho mostrou ser um verdadeiro espanhol mulherengo, e um grande estadista liberal, pois conquistou o carinho europeu na sua campanha contra Miguel.
Preciso me despedir agora, esta na hora de “dormir”.

De sua orgulhosa Tetravô,
Carlota Joaquina de Bourbon
Rainha de Portugal

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